A inutilidade de Deus

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“Acredite-me, as religiões enganam-se desde o momento em que pregam moral e fulminam mandamentos. Deus não é necessário para criar a culpabilidade nem para castigar. Para isso bastam os nossos semelhantes, ajudados por nós próprios. O senhor falava-me do Juízo Final. Permita-me que ria respeitosamente. Eu espero-o a pé firme: conheci o que há de pior, que é o juízo dos homens. Para eles, nada de circunstâncias atenuantes, mesmo a boa intenção é considerada crime. Ouviu ao menos falar da cela dos escarros que um povo imaginou recentemente para provar que era o maior do mundo? Uma caixa de alvenaria onde o prisioneiro se mantém de pé, mas sem poder mexer-se. A sólida porta que o fecha na sua concha de cimento sobe apenas até à altura do queixo. Vê-se, pois, unicamente o seu rosto, sobre o qual todo o guarda que passa escarra abundantemente. O prisioneiro, entalado na cela, não se pode limpar, embora lhe seja permitido, isso é verdade, fechar os olhos. Pois bem, isto, meu caro, é uma invenção dos homens. Não precisaram de Deus para esta pequena obra-prima.”

(Albert Camus, A Queda, Livros do Brasil, 2015, p. 66)

 

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