Comunidade

Inspirado por e dedicado a Bruna Ferreira

As leituras para a tese fizeram-me enfrentar, nos últimos tempos, teoria literária à séria, e, pela primeira vez na vida, consigo apreender e sentir fazer parte de um discurso exclusivamente hermético, sociologicamente elitista, inevitavelmente fútil, humanamente prescindível. Entrar nesta comunidade custou e custa neurónios, tempo, reflexão sobre a própria biografia, sobre a cultura local, nacional e global que me dirige, sobre de onde se veio, de que âmbito sociológico, sob que circunstâncias políticas, ao contrário de que expectativas do ambiente circundante. Ter a mais ínfima sensação de pertencer a um espaço virtual para quem a presença dos maiores é natural e não resultante de tantos passos como os que descrevi, provoca uma sensação de vigor quase perigosa. De vontade revanchista de imposição do que chega tarde e discretamente ao espaço inútil mas estabelecido como destino, e que quer chegar chegando bagunçando a porra toda.

Bem no final do extraordinário Em Busca do Autor Perdido (1998), de Helena Buescu, esta cita María Zambrano num simples mas epifânico resumo da vontade de poder nietzscheana que acabo de concretizar como certo caminho de felicidade no meu estado eufórico atual. Descreve a propósito de uma “comunidade de escritor e público”:

“Comunidade de escritor e público que, contra o que primeiramente se crê, não se forma depois de o público ter lido a obra publicada, mas antes, no próprio acto de o escritor escrever a sua obra. É, então, ao tornar-se patente o segredo, que se cria esta comunidade do escritor com o seu público. O público existe antes de a obra ter sido ou não lida, existe desde o começo da obra, coexiste com ela e com o escritor enquanto tal. E somente chegarão a ter público, na realidade, aquelas obras que já o tiveram desde o princípio. E assim o escritor não precisa de fazer para si próprio questão da existência desse público, dado que existe com ele desde que começou a escrever.”

(Helena Carvalhão Buescu, Em Busca do Autor Perdido – Histórias, Concepções, Teorias, Cosmos, 1998, p. 76-77)

 

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